Mestre João de Paz e Maestre Juan Faraz: Um Reflexo de Dois Espelhos com a mesma Face

Carlos Manuel Valentim

Para enquadrarmos melhor o estudo, elaborámos uma tabela – baseada nos dados das chancelarias – com sessenta entradas. O resultado não poderia ser mais surpreendente. De todos os mestres «João» encontrados, um destacava-se. Assim, constatou-se que em 26 de Outubro de 1497 fora confirmada a carta de «físico» a “Mestre João de Paz, físico e nosso cirurgião, morador em Guimarães” . E logo em 6 de Agosto de 1499 era certificada a carta de cirurgia a “Mestre João de Paz, nosso físico e cirurgião, morador em Guimarães” . Estávamos diante do único caso, entre as sessenta entradas, para um período bem definido (1473-1530), contendo o termo «mestre João», com datas roçando o ano de 1500, aparecendo «físico e nosso cirurgião» no primeiro caso e, de forma ainda mais explícita, no segundo caso, tratando-se do mesmo indivíduo, «nosso físico e cirurgião». Os registos tinham a particularidade de não derivarem da pena do astrólogo.

E Diogo Rangel de Macedo fornece-nos, precisamente, alguns dados novos que vale a pena arrolar, ainda que com certa precaução. Escreve o genealogista:

" [...] passou a este Reyno expulsado de Castella o Mestre Joam que fazia publica profiçam da ley Hebrayca, e era muito doutto em Medecina, por cuja cauza o dicto Rey D. Manoel dezejava muito a sua conversam e como ele era não só doutto, mas de clarissimo entendimento, com lhe explicarem algus textos que elle intrepretava, mal abraçou logo a verdade da doutrina Christãa e abjurou os seus erros, recebendo o baptismo em 24 de Janeiro de 1496. Em que tomou o nome de Joam em obzequio do Primcepe e aapellido da Paz por devoçam de N. S.ª que com esta invocassam se festejava naquelle dia.

El Rey D. Manoel o ennobreceu e deu armas novas que são em campo azul hua patra de pratta entre quatro rosas vermelhas.

Foy muito rico e se estabeleceu na cidade do Porto onde fez huas cazas no sítio onde chamão o Padram de Belmonte e nellas pos as sobreditas armas. Estas cazas vieram a ser de Manuel Pacheco, primeiro juiz da Alfandega da dicta cidade [...]."

Só em aparência o monarca português cede, recusando-se a entrega-los à Inquisição castelhana, particularmente os fugitivos, que encontravam refúgio em Portugal; não será este o caso de Juan Faraz, porque continua a pagar à Inquisição sevilhana um foro, em dinheiro, para poder continuar reintegrado na sociedade castelhana. Assim o faz em 1496, pagando 500 maravedis, apresentando-se em seu nome, como pagador, Pedro de Palma, o que indicia estar ausente da Andaluzia. Estaria em Portugal?


1 Com ligeiras alterações, correcções e aditamentos, este estudo constitui uma das partes do Capítulo I da Dissertação de Mestrado, com o título “Uma Família de Cristãos- -Novos do Entre Douro: Os Paz. Reprodução Familiar, Formas de Mobilidade Social e Poder (1495-1598), sob a Orientação científica do Sr. Professor Doutor A. A. Marques de Almeida, que apresentei à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 2007. À Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste», na pessoa do Sr. Professor Marques de Almeida, o meu sincero agradecimento, pelo apoio e incentivo que em muitas ocasiões, e não foram poucas, usufrui.

Cadernos de Estudos Sefarditas, n.º 9, 2009, pp. 181-222

Texto completo:

VALENTIM, Carlos Manuel. Mestre João de Paz e Maestre Juan Faraz: Um Reflexo de Dois Espelhos com a mesma Face